Este pequeno diário não pretende ser um guia do Caminho Português para Santiago, muito menos ensinar alguma coisa sobre ele. Vou tentar retratar as experiencias que passei, as pessoas com que me cruzei e as varias historias com que fui presenteado. Os sentimentos, as emoções, os cheiros e os sons, esses serão impossíveis de descrever na sua plenitude, no entanto ficarão sempre guardados na minha memória.
Para quem pensa que fazer este Caminho é uma ousadia só ao alcance de alguns, deixo aqui uma frase de Fernando Pessoa que poderá faze-lo mudar esse estado de espírito: “Tudo é ousado para quem a nada se atreve”.
Espero que este roteiro desperte em quem o ler a vontade de fazer este Caminho. Será uma viagem que por certo irá recordar para sempre.
1º DIA - 26-09-2015 - Lisboa – Ponte Lima
Este Caminho não começa hoje. A ideia de fazer o Caminho para Santiago é uma vontade que cresceu ao longo de 1 ano. Até aqui várias coincidências foram acontecendo que reforçaram a ideia de o fazer.
Eram 7h22m da manhã, a 145km, seguimos em direção a Nine. A vontade de começar esta aventura é muita. Pela janela do comboio a paisagem passa por nós a grande velocidade, o que nos faz desligar do Mundo e tentar compensar as horas de sono em falta.
Tudo muda, quando apanhamos o comboio inter-cidades que faz a ligação de Nine a Viana do Castelo. Deixámos o conforto dos acentos do Alfa Pendular e passámos para o desconforto dos acentos rudimentares do inter-cidades. No entanto a paisagem lá fora faz-nos esquecer este pormenor. A velocidade do comboio permite desfrutar a beleza da paisagem do Norte de Portugal. As vinhas espalham-se pelas encostas como se de uma organização arquitetónica se tratasse.
Conseguimos, agora, ver o nome das estações por onde passamos assim como a sua arquitetura, o que nos faz recuar na história dos caminhos-de-ferro em Portugal.
A ligação entre Viana do Castelo e Ponte de Lima é feita de camioneta.
A chegada a Ponte de Lima, perto das 13h.30, é feita com entusiasmo e alguma apreensão, afinal de contas é aqui que começará a caminhada. Depois de almoça e de fazer uma visita turística pela vila, juntamente com a Alexandra e a Paula fomos tratar do nosso alojamento.
A primeira noite foi feita no Albergue de Ponte de Lima. Dormir num quarto com mais 18 pessoas é uma experiencia nova para quem não foi à tropa.
Uma vez que fomos dos primeiros a chegar podemos ter contacto com alguns dos peregrinos que já vinham alguns dias no seu caminho. O cansaço visível na cara das pessoas, o coxear, os pensos e remendos nos pés, deu-me logo uma perspetiva do que se avizinhava nos dias seguintes.
Neste dia retenho a frase de um casal português quando se referia às bolhas nos pés nesta caminhada: “ A maior bolha está na nossa cabeça”.
Percebi a mensagem que queriam passar. Tudo está na nossa cabeça. A força física por si só não me ia ajudar a fazer este caminho, iria ser necessário a maior das forças, a força mental e pensei:
“Durante o caminho irás passar por 3 etapas: A etapa onde tu simplesmente caminhas, afinal de contas, é para isso que aqui estás; A etapa onde o cansaço se começa apoderar de ti e onde vais continuar até à exaustão; Por ultimo a etapa onde tu superas a exaustão e entras no Caminho”
27-09-2015
Ponte Lima - Cerdal
Eram 6h30, o dia começa cedo, pensei eu. Quando acordei reparei que algumas pessoas já tinham saído do Albergue e iniciado a sua caminhada e as que ainda tinham ficado estavam já numa fase avançada na sua preparação.
Tratei de me preparar o mais rápido possível, arrumar tudo dentro da mochila e dar inicio à minha aventura. O pequeno-almoço foi tomado no café ao lado do albergue e daí parti juntamente com a Alexandra, a Paula, o João, o Luís e o Miguel.
O estipulado por nós era fazermos no primeiro dia 18km, distancia que separa Ponte de Lima de Rubiães. Posso confessar que esta viagem não foi programada ao pormenor e as pesquisas sobre o caminho foram poucas ou nenhumas; não sabia que caminho iria percorrer, nem muito menos qual o tempo que iria demorar a percorrê-lo. A única coisa que ficou alinhavada em Lisboa era em quantos dias iríamos fazer o Caminho e as respetivas etapas. Acho que para ser uma aventura o melhor é ir mesmo à descoberta e foi assim que iniciamos o Caminho.
Há dias na vida que nunca mais esquecemos, este irá ser um deles. Comecei por tentar assimilar tudo aquilo que me rodeava, procurando fazer parte do Caminho e não deixando que o Caminho passasse por mim.
Os primeiros quilómetros são suaves percorridos pelo meio de quintas e vinhas, como nos preparando para a chamada “etapa rainha” do Caminho. Aqui nos despedimos do nosso companheiro João que num ritmo mais lento fez o seu próprio Caminho.
A Serra da Labruja será o primeiro obstáculo a ser ultrapassado. Esta serra tem tanto de belo como de intransitável. A sua elevada inclinação e as pedras que temos que ultrapassar faz-nos começar a conhecer os nossos limites e saber ultrapassa-los. O cimo da serra dá-nos a recompensa merecida, a paisagem faz-me ganhar todo o folgo perdido na subida. Aqui em cima senti-me livre, de braços dados com a Natureza como se fosse parte integrante da serra. Como depois da tempestade vem a bonança, o trajeto até Rubiães foi a descer.
Antes mesmo de chegar a Rubiães parámos num café/roulotte onde podemos celebrar a primeira prova superada. A selagem foi feita com um brinde ao sabor de minis Sagres.
Passamos por Rubiães em ritmo de cruzeiro, parando só para carimbar o passaporte do caminhante. Seguimos em direção a Valença. O caminho começa novamente a subir mantendo-se nesta toada durante vários quilometros até à Capela de S. Bento da Porta Aberta. Maioritariamente campestre e florestal e com vários percursos empedrados, esta etapa lembra as estradas romanas. Passámos por vários cursos de águas e pontes romanas.
Antes de começarmos a subir novamente parámos para comer alguma coisa junto ao rio. Aí conhecemos uma nova peregrina a Ana. Uma rapariga de Carcavelos que caminhava sozinha desde sua casa, pretendia chegar a Finisterra, passando claro por Santiago de Compostela. Uma rapariga de coragem, por certo com grandes aventuras para contar.
Uma vez que passámos Rubiães intenção neste dia era chegar a Valença, mas o cansaço de cerca de 9 horas a caminhar, a habituação à mochila e a Serra da Labruja tornou isso impossível. A 8 km de Valença parámos num Albergue à beira do Caminho. Chama-se Quinta Estrada Romana. Fomos recebidos pelo seu dono - o Jeff.
O Jeff é um antigo jornalista Canadiano, que depois de ter sido correspondente na Rússia, na China, no conflito Israelo-árabe decidiu vender as suas casas no Canadá e em Londres e construir este albergue.
Como ele diz, “durante muitos anos andei pelo Mundo, agora é o Mundo que vem até mim”, numa alusão aos peregrinos de todo o Mundo e das histórias que eles lhe trazem. O Jeff lavou-nos a roupa e deu-nos jantar.
Ao jantar juntaram-se mais 3 peregrinos, duas brasileiras e um checo. Respirava-se um bom ambiente e a conversa fluía com a troca de histórias. A história do Yang é impressionante. Caminhava em direção a Fátima. Vinha da sua terra natal, a poucos quilómetros de Praga. Saiu dia 18 de Abril de 2015 e já levava quase 4.000km nas pernas. Nesta altura todo o meu cansaço de um dia passou a ser irrisório no meio disto: As pessoas não são magnificas, são sim inspiradoras.
28-09-2015
Cerdal - Porriño
Hoje o dia começou pelas 6.30h da manha, a preparação das mochilas e a vestimenta já faz parte do no nosso dia-a-dia. O pequeno-almoço foi tomado no Albergue. Às 7.30h começou a nossa caminhada, com a companhia de duas novas caminhantes, a Luciane e a Carmen.
Seguimos então em direção a Valença com o objetivo de ver até onde as nossas forças nos levavam. A partir deste dia qualquer planeamento que se tenha feito da viagem deixou de fazer sentido. Acho que hoje começámos a deixar que o Caminho nos leve.
Passamos pela Praça-Forte de Valença, percorremos as muralhas da Cidade, passando de seguida a ponte metálica sobre o Rio Minho que nos encaminha até Tui – Espanha. A travessia desta ponte toma maior significado pois entramos noutro País, o que traduz algumas alterações, tais como idioma, a gastronomia e as tradições. A partir de hoje deixamos de desejar um “Bom Caminho” para passarmos a desejar um “Bon Camiño”.
Em Tui atravessamos as ruas medievais do Burgo que nos leva em direção à Catedral. Um local magnífico que merece sempre uma visita. Aproveitámos para nos sentarmos nas escadas da Catedral e abastecermos o estômago com alguma coisa. Por aqui deixámos a Carmen. Ela caminhava sem mochila, pagava um serviço de transporte de mala até a próxima localidade, teve de tratar do próximo transporte.
Continuámos a nossa caminhada, passando um percurso de estrada, entrámos em paisagens de bosques acompanhados por pequenos riachos.
Enquanto fazíamos uma pausa para aliviar as costas e os pés a Carmen passou por nós. O Albergue de Tui estava fechado e só abria às 15h então ela decidiu seguir sozinha até Porriño.
Voltámos mais à frente a encontra-la mas desta feita em sentido contrario. Só lhe conseguiam entregar a mochila no dia seguinte. Lição do dia: Não esperes que os outros carreguem o que é teu. Sempre que dependeres de alguém para fazer o teu dever, estás bem lixado.
Pelas 14h parámos num café para restabelecer energias, beber umas cañas e comer umas sandes de presunto. Reparei num jovem, sozinho, sentado ao balcão munido de tecnologia avançada a beber uma caña. Convidei-o a juntar-se ao nosso grupo. O Kim é um jovem Sul Coreano que há 5 anos que andava para fazer o Caminho. Este ano decidiu fazê-lo sozinho.
A partir daqui iríamos percorrer uma enorme e extensa reta de asfalto, atravessando um Parque Industrial. O progresso aqui “matou” a história, ou melhor, fez outra história do Caminho. O fresco dos bosques foi substituído pelo calor das fábricas, a ausência de sombra é uma constante, e o caminho empedrado da antiga estrada romana foi substituído pelo alcatrão quente.
A estrada não tinha fim e não havia maneira de chegarmos a Porriño onde iríamos pernoitar. O asfalto deu cabo de mim, a roupa colava ao corpo e o calor do alcatrão fazia-se sentir nos ténis e pés.
Chegados à Porriño encontrámos uma cidade em festa. Depois de banho tomado e mazelas remendadas fomos jantar. O grupo estava agora reduzido a mim, à Paula, Xana, Miguel e Luciane, o Kim tinha seguido sozinho até Redondela. Amanhã continuaremos a nossa caminhada. Onde irei parar não sei, como diz o Jeff: “o caminho é que me escolhe.”
29-09-2015
Porriño - Arcade
O dia começou com 1 hora de atraso, resultado do fuso horário e respetivo atraso no despertador. Saímos de Porriño em direção à localidade de Mos, respirou-se fundo porque o caminho fazia-se sempre a subir.
Passámos pela Igreja de Santa Eulália, pelo Palácio de Mos e continuámos a subir até ao Monte de Santiago de Anta.
Ao longo dos dias várias foram as mensagens de força e encorajamento, no entanto gostaria de destacar a mensagem de uma amiga que naquela altura que a recebi foi como tivesse tomado um energético ou “atestado” o deposito para o resto do dia: “Nada existe tão alto que o Homem, com a força de vontade, não possa apoiar a sua escada”. É verdade, com força de vontade e querer conseguimos, sem dúvida, superarmo-nos.
A paragem para almoço foi feita na cidade de Redondela. As paragens para almoço, caso sejam extensas, podem ser um dos teus inimigos no Caminho. As tardes nunca são como as manhãs, são sempre mais dolorosas, onde o cansaço se apodera sempre do teu corpo e começas sempre a fazer contas de cabeça. Faltar 3km para qualquer coisa significa sempre mais 1 hora de caminhada.
A saída de Redondela é feita pela capela das Angustias, passa-se a ponte sobre o caminho-de-ferro e entra-se numa zona de árvores, subindo até ao Alto da Lomba, um local com uma vista deslumbrante sobre a ria de Vigo.
De seguida começamos a descer suavemente até Arcade.
A chegada a Arcade foi feita em esforço. A cara das pessoas refletia isso mesmo. Antes de sabermos se havia dormida ou se teríamos que continuar a caminhar o chão serviu-nos de assento e nem as malas foram tiradas das costas. Nesta altura a mochila e o seu peso já era um complemento do nosso corpo.
Neste dia passámos a parte do caminhar por caminhar e entrámos na exaustão. Sabia que esta exaustão não iria simplesmente desaparecer, mas daqui para a frente iria entrar na terceira fase do Caminho.
30-09-2015
Arcade - Briallos
Saímos de Arcade ainda de noite. O pequeno-almoço foi tomado num hostel ao lado da nossa pensão. Com o dia a nascer entrámos num dos troços mais bonitos do Caminho. Atravessámos as ruelas empedradas de Pontesampaio, descendo até ao Rio Ullo. Apanhámos o nascer do sol enquanto atravessámos a ponte sobre o Rio Ullo. O cenário com que nos deparámos é de rara beleza. Atravessámos a encosta da Conicouba e uma paisagem agrícola que se estende até á estrada de Pontevedra.
Neste momento, melhor que encontrar um Bar para beber umas cañas e refrescar, só mesmo encontrar uma Farmácia para reabastecimento dos “remendos”.
Perdi a noção dos dias, não sei quantos dias levo de Caminho, nem que dia da semana é. Não pensei que isto fosse possível acontecer, mas a verdade é que aconteceu. Apesar de não ter noção do tempo, sinto que estou a viver o momento: o que me faz sentir vivo.
O que nos “ mata” nos nossos dias é o relógio. Somos reféns deste pequeno aparelho e acabamos por viver em função dele. Tudo na vida real é feito com horários. O Caminho tem esse dom, permite-nos viver livres de horários.
Atravessámos o centro histórico de Pontevedra, que tem origens medievais, passando pela Igreja da Virgem Peregrina, cuja planta é em forma de Vieira. Trata-se de um dos pontos de referência para as devoções dos peregrinos. Passámos pela ponte milenária de “O Burgo” que atravessa o Rio Lérez.
O almoço hoje foi feito em género de pic-nic à saída de Pontevedra, momento aproveitado para restabelecer forças e reabastecer as garrafas de água. Deixámos agora de caminhar em cidade e voltámos aos campos agrícolas e florestas até chegar a Barro. O passo a que caminhámos é lento mas nada que nos preocupe. Como diz uma famosa frase local: Una tortuga conocemejor el camino que una libere.
Até Briallos fomos alternando a paisagem entre caminhar em estrada nacional e caminhar pelo meio das vinhas. Escusado será dizer qual o cenário é aproveitado para tirar fotografias. Chegados a Briallos, o nosso dia já leva cerca de 10 horas de caminhada e nesta pequena localidade encontra-se o ultimo albergue antes de chegar a Caldas de Reis. É notório que ali vamos ter que ficar, quer seja no albergue quer seja no chão. Não há força para mais.
Chegados ao Albergue, parecia que tínhamos encontrado um sítio abandonado. Fomos recebidos por um peregrino que nos encaminhou para os dormitórios e disse “estejam à vontade”. Tudo aquilo era no mínimo estranho, mas com o cansaço do dia, nada disso importava. Tem cama, tem casa de banho, então ficamos.
Depois de instalados enquanto esticava as pernas fui presenteado com mais uma história de um peregrino. Trata-se do senhor José António Garcia, pescador de 65 anos, há alguns anos atrás a embarcação onde seguia, na pesca do bacalhau nos mares da Noruega, naufragou tendo morrido 16 dos 17 tripulantes. O dia 1 de Janeiro de 1999 mudou a sua vida. Somente o Sr. António Garcia escapou a este acidente, os minutos que permaneceu nas águas da Noruega foram decisivos para a sua vida. A promessa feita à Santa Padroeira dos marinheiros, Virgem Carmen foi percorrer todos os caminhos peregrinos que o levem a todos os santuários, de todas as religiões do Mundo. Atualmente leva 105.000km nas pernas.
Estava na hora de ir arranjar alguma coisa para jantar. Estamos em Briallos, uma localidade onde não existem restaurantes, os cafés estão fechados e a única coisa que está aberta é uma pequena mercearia. Chegados ao local o pensamento que me ocorreu foi “hoje não há jantar para ninguém”. A mercearia resumia-se a uma única prateleira. Lá conseguimos encontrar um pacote de massa, umas latas de atum e uma tablete de chocolate. Lá seguimos nós para o albergue para jantar o que havia.
Nesse dia conseguimos do pouco fazer o muito, do simples fazer o luxo e o que parecia ser uma noite de pesadelo transformou-se num banquete divertido e até musica conseguimos arranjar (milagre dos smartphones).
O Caminho também é isto. São as pessoas com quem nos cruzamos, as histórias que ouvimos e as experiencias por que passamos.
01-10-2015
Briallos - Padron
Hoje levantei-me e não conseguia descobrir um ponto do corpo que não doesse, no entanto esta preocupação não dura muito tempo pois só temos uma solução, continuar o nosso caminho. Ainda faltava caminhar 5km para encontrar um local para tomar o pequeno-almoço.
Começámos a caminhar ainda de lanternas ligadas. Se o cansaço à chegada a Briallos era muito, a noite de descanso não parece ter ajudado a curá-lo.
A Luciane e a sua boa disposição, típica do povo brasileiro, foi a lufada de ar fresco que nós precisávamos para começar a ganhar ritmo. A música que ela inventou só faltava ser acompanhada com o ritmo de samba.
Desta forma pelo meio de vinhas e de pequenas aldeias seguimos em direção a Caldas de Reis. Chegados a esta cidade parámos logo para tomar o pequeno-almoço, junto á ponte do rio Umia. Esta jornada tem a particularidade de levar-te a Padron que é onde começa a última etapa antes de chegar a Santiago. Mas antes disso ainda iríamos passar por 2 montes e 3 rios.
Depois de percorrermos Caldas de Reis entrámos numa subida, por entre prados e bosques, que nos leva à povoação de Carracedo. Aqui aconteceu a surpresa do dia. Fomos convidados a entrar na creche da aldeia e interagirmos com as crianças. O projeto desta escola é no mínimo inovador, pelo menos para mim. Os peregrinos são convidados a entrar na sala de aulas, a participar nas atividades escolares juntamente com o resto das crianças e a falar sobre o seu país ou cidade. O intuito é dar a conhecer às crianças que o Mundo não é só a aldeia onde vivem e que existem culturas, pessoas e países diferentes daquelas com que estão habituadas a conviver.
O final deste convite inesperado foi selado com uma foto de grupo e com uma imagem que jamais se poderei esquecer: as crianças à janela da escola a despedirem-se e a desejar um “Bon Camiño”.
Continuámos o nosso caminho por entre florestas, onde podemos encontrar alguns moinhos de água, algumas subidas até começarmos a descer para Pontecesures. Aqui parámos para almoçar. A fome era muita, mas nada que o menu peregrino não resolva. Dois ovos estrelados, duas cañas, salsicha e batata frita fazem as delicias de qualquer um.
Já não faltava muito para Padrón. À chegada à cidade passámos pelo monumento alusivo às senhoras responsáveis pela apanha dos famosos Pimentos Padrón. Caminhámos até ao centro da localidade com o intuito de arranjar alojamento. Chegados à ponte podemos avistar no cimo a Igreja e uma quantidade de ruelas para visitar.
Depois de alojamento garantido e banho tomado fomos descobrir um pouco mais sobre Padrón e a sua história. Visitámos a Igreja de Santiago onde nos foi contada a lenda da chegada dos restos mortais de Santiago a Padrón.
“A chegada de Santiago Maior, proveniente da Terra Santa, é o ponto de partida da tradição Jacobeia. Desde que os seus restos mortais foram levados para Santiago Compostela, Padrón tornou-se o início da rota até ao sepulcro para os peregrinos que chegam por mar. A barca que transportou o corpo do Apóstolo foi presa ao antigo “O Pedrón”, pedra romana situada no cais para prender os barcos, que deu origem ao nome do concelho (Padrón).”
De seguida percorremos as ruas e ruelas de Padron até encontrar um local para jantar. Amanhã será a última etapa do Caminho. A vontade de chegar a Santiago é grande, mas o sentimento desta aventura não acabar é ainda maior.
02-10-2015
Padron – Santiago Compostela
Quem fez estas etapas todas, já percorreu tantos quilómetros por caminhos de terra, pedras e asfalto não pode desistir agora. Sabemos que o cansaço, as bolhas e as dores no corpo continuam a massacrar, mas continuamos ligados à “ficha”, à “ficha” de adrenalina de estarmos a viver esta aventura.
Acordámos cedo para aproveitar bem o dia. Esta etapa não será o fim, mas o início de um novo começo. Até Santiago Compostela aguarda-nos uma caminhada de 5 horas, sem haver grandes paragens. A etapa começa com um troço suave onde cruzámos campos e pequenas aldeias rurais. No entanto não se chega a Santiago sem antes ter que fazer duas grandes subidas. A 3 km da cidade de Santiago, no cimo de um dos montes, conseguimos avistar pela primeira vez a Catedral de Santiago. Depois de tantos quilómetros percorridos ali está um dos motivos deste Caminho.
Na cidade a paisagem rural que nos acompanhou ao longo da etapa é substituída pelas avenidas movimentadas e congestionadas de pessoas. A presença de outros peregrinos que chegam de outros tantos caminhos é uma constante, encaminhando-se toda a gente para um só lugar, a Praça da Catedral de Santiago.
Chegar a este local é sinónimo de emoção e descarregar de toda a adrenalina de uma longa viagem. Sentar no chão da praça contemplando tamanho monumento, apreciar a chegada, entre choros e abraços, de outros peregrinos e olhar para trás, tentando num curto espaço de tempo resumir esta viagem é um sentimento único, que não se descreve, nem se explica, simplesmente vive-se.
A chegada a Santiago de Compostela pelas 13.30 permitiu fazer um almoço com tudo o que tínhamos direito. O momento foi animado, como seria de esperar, com muitos brindes e saboreando a gastronomia local. O resto da tarde foi passado a visitar a cidade, recolher o diploma do Caminho e tratar de alojamento.
No fim do dia fomos assistir à missa do peregrino, um dos momentos ímpares deste dia. Uma cerimónia carregada de simbolismo, onde tive oportunidade de pedir por todos aqueles que vieram comigo na mochila. Durante a missa a bênção dos peregrinos, através de um fumeiro gigante é um ritual com muitos anos e que torna aquele momento ainda mais especial.
Á noite, já deitado na cama, senti-me como se tivesse a desligar da ficha deixando que todo o cansaço, de uma longa caminhada, me vencesse.
Na verdade a chama que me ia dando força todos os dias tinha-se apagado, afinal de contas a razão para ela se manter acesa tinha terminado.
O dia seguinte será de regresso a Lisboa, na minha opinião, uma nova etapa do Caminho. Nos próximos tempos vamos sentir os efeitos desta viagem em nós.
Por Hugo Veloso